Muitas pessoas, algumas delas até bem jovens e em boas condições físicas, têm escolhido um treinamento nada natural, suplementado por anabolizantes esteroides. Sem orientação médica, e sem serem superatletas, sobe cada vez mais o número daqueles que buscam nos hormônios um mediador que finalmente construa a estética almejada.
Os efeitos são rápidos... mas tudo tem um preço! Mesmo o coquetel hormonal, ou “chip da beleza”, que médicos ginecologistas implantam em suas pacientes, têm efeitos negativos nada desprezíveis: queda de cabelo, redução da libido e até mesmo câncer.
Os anabolizantes esteroides são drogas derivadas do hormônio testosterona e são conhecidos pela hipertrofia muscular que causam. Entretanto, essas substâncias também têm efeitos pouco desejados: crescimento do pelo facial, surgimento de espinhas, engrossamento da voz, alterações na genitália, distúrbios de comportamento, retenção de líquido e aumento da pressão arterial, trazendo risco à vida do usuário. Seu uso tem finalidade estética e não médica, é inadequado e ilegal. Além de ser um tipo de recurso não natural, elas não oferecem efeitos permanentes saudáveis.
A sociedade ainda não definiu, esteticamente, se pretende assumir o modelo século 21 metrossexual ou supermacho, a nova Barbie Cyborg ou a empoderada, fragilidade ou robustez. Dependendo do bairro que você frequente, um desses dois tipos será mais visto.
Por incrível que pareça, o uso do “não” também passa pelo problema estético. Alguns pais têm dificuldade com o “não” por serem muito frágeis, e assim poupam a criança dessa monstruosidade! Outros são a nova geração Viking, usando e abusando dos “nãos” fortes, bem-ditos, incisivos, definitivos. Esses extremos são muito perigosos! De um lado, privam a criança do benefício do limite e, de outro, criam limites excessivos, não dando espaço para o seu desenvolvimento.
Para evitar a fragilidade e a brutalidade na educação dos filhos, o caminho é o treinamento natural. Seus efeitos são permanentes e não dependem do uso de esteroides nem de qualquer proposta rigorosa de adestramento. E ele não prescinde da beleza! Aliás, as pessoas não estão equivocadas nesse aspecto: buscar a beleza parte da percepção de que ela está em nosso DNA. Entretanto, sempre que a buscarmos em qualquer outra fonte que não seja Deus, haverá distorções, físicas e espirituais.
Sermos imagem de Deus significa que fomos feitos para ser belos. Justamente por isso, o verdadeiro padrão de beleza e os modos de nos tornarmos belos só podem ser referendados pelo próprio Deus. A beleza está em ser parecido com ele, que se fez humano e nos mostrou o que é ser belo a seus olhos. Beleza assim, como a de Cristo, não se alcança com malhação, esteroides, plásticas nem recurso algum deste mundo!
Quando o assunto é educar filhos e produzir beleza, encontramos orientação especial no capítulo 6 de Deuteronômio, versos 6 e 7. Imagine a cena: uma voz grave ecoando do meio do fogo, de dentro de uma nuvem e na escuridão, explicando a Moisés os benefícios que as pessoas teriam amando a Deus e dando ouvidos à sua voz somente. Pense nas pausas de silêncio aterrador, iluminadas pelas fagulhas, cobertas pela espessa nuvem e envoltas pela mais negra treva.
Apesar de todos esses sinais intimidadores, havia algo ainda mais impressionante do que o espetáculo de sons e silêncio, luzes e escuridão. Era o trabalho de modelagem que Deus estava confiando a Moisés e a todo o seu povo ali presente: o que ouviram de Deus deveria estar primeiro em seus corações, e então deveria ser ensinado aos filhos em todos os momentos – que estética!
Deus mostrou que resultados permanentes dependem de investimento constante, como nos exercícios. Ele faz isso conosco, um tipo de ginástica passiva, ativada pela leitura de sua Palavra! Não faríamos nós também o mesmo com nossos filhos? Investimento constante, leitura contínua da Bíblia e conhecimento cada vez maior dele?
Os especialistas dizem que, até os sete anos, a criança terá adquirido a composição cognitiva básica de sua formação, apenas desenvolvendo essa estrutura dali em diante. O tempo de investimento árduo é tão curto comparado aos efeitos de longo prazo... se as pesquisas estiverem certas, são sete anos intensos a fim de formar um adulto para a vida inteira!
No texto, os filhos são apresentados como um presente de Deus, e continuarão a ouvir a sua voz por meio do ensino dado por seus pais. Mas ao ler Dt. 5.29, nos damos conta de que Deus sabe muito bem quem somos. Ele sabe que nosso coração se cansa, deixa de temê-lo e passa a não guardar suas instruções, que nos fariam somente bem. Nessa hora, sente-se um misto de “preciso colocar o treino em dia” e de “será que existe um atalho para alcançar os resultados desejados?”.
A falta de firmeza e o uso descontrolado de “nãos” costumam atrapalhar na tarefa de fazer novas gerações mais belas. Quem transita por esses dois caminhos muitas vezes opta pelo atalho dos esteroides: aumentam-se os presentes, as recompensas, as saídas caras... formas de se esquivar ou evitar aquele treinamento natural que somente pode ser encontrado na Palavra de Deus.
Essa Palavra deve fazer morada no coração (Dt 6.6) e ser refletida no cotidiano (Dt 6.7), parte essencial do treinamento que deve acontecer por amor (Dt 6.5) e a partir da certeza de que há um só Deus (Dt 6.4). A referência principal aqui não é à unidade de Deus, mas ao que ele requer de nós: lealdade total e exclusiva. Deus é a realidade para a qual toda aspiração religiosa humana se dirige. Se alguma área da vida se norteia por outro referencial, ela está em conflito com o Criador.
Conheço muitas pessoas leais ao seu treinamento – atentas aos seus horários de malhação e à sua dieta balanceada –, conscientes dos benefícios que recebem. Mas estes advêm somente de Deus e de sua Palavra. Se esta fonte não for a base até mesmo da atividade física, então o ganho não será pleno, e seus resultados, de curta duração.
O treinamento para o uso moderado do “não” requer constância e dedicação em dizer “sim” ao Criador. Os efeitos dessa resposta positiva vão muito além do momento... alcançam a eternidade. E é só no exercício de leitura da sua Palavra, e pela ação não de hormônios, mas do Espírito Santo, que podemos ficar mais belos, mais amorosos, bondosos, pacientes... mais parecidos com nosso Deus e Pai.
Antes de nos contar o que não deveríamos fazer, Deus aprofundou o que deveríamos saber dele para o amar e desfrutar. Imitando o Criador, antes de dizer “não”, será bom refletir se estamos apresentando à criança um caminho que a ajude a amar mais a Deus, a se comprometer com ele e a desejar seguir suas instruções.
Na caminhada, podemos deixá-la desfrutar das alegrias da infância, mas vivendo-as em uma obediência cujo fundamento não seja a barganha nem o autoritarismo. Antes, obediência que seja fruto de temor e do reconhecimento de quem Deus é, de quem ele diz que somos, e que mostre como sua beleza exposta em nós e em toda a criação pode ser experimentada com mais intensidade.[…]
Deus quer a nossa persistência, e espero que você prossiga comigo em ritmo de treino quando o assunto é lidar com crianças em situações difíceis.
Sempre que grito com meus filhos, imediatamente lembro do episódio em que Moisés deveria falar a uma pedra para que dela saísse água – um milagre! Mas ele estava tão irritado com aqueles adultos que mais pareciam crianças... que vociferou e bateu com seu cajado na rocha. Deus não deixou de dar água ao povo, mas a bronca que Moisés recebeu foi dura. Ele ouviu que não havia santificado a Deus diante do povo com a sua atitude.
Ele esqueceu, e nós esquecemos, que somos mediadores. Somos pais em nome de Deus. Os filhos são dele, deixados aos nossos cuidados para cuidarmos para ele.
E essa tarefa exige preparo. Na última semana, começamos a pôr em prática formas de ensinar nossos filhos sem ter de recorrer constantemente ao “não”. Mas a maratona é longa e precisamos ganhar resistência! Portanto, vamos intensificar nosso treinamento com novos exercícios:
▪ Evite situações difíceis
Quando há crianças pequenas na família, lembre-se de se planejar com antecedência a fim de evitar situações difíceis. O casamento será em um sítio? Leve uma muda de roupa extra para seu filho, ou vista-o com uma roupa simples, deixando a roupa especial para a hora em que tudo começar no mundo adulto. Está frio e a chácara tem piscina? Crianças possuem termômetro em outra escala... e pode acontecer um escorregão do tipo “tchibum”. Se você estiver preparado para a situação, não vai dar escândalo por isso nem envergonhar a si mesmo.
Leve em conta que a curiosidade e os desejos exploratórios estão explodindo nelas. Evitar situações difíceis tem a contrapartida de propiciar situações desejáveis. Em lugar de “não risque a parede”, você pode incentivar: “muito bem, esta é a parede que você pode riscar”. Sem desespero! Afinal, parede riscada (ou porta, ou o que for) basta pintar de novo!
E tome cuidado! Sempre há aquele pai mais velho ou avô que dirá: “não precisa de nada disso, não. Meu pai não deixava a gente riscar a parede e pronto. É só dizer ‘não’ e acabou”. Quatro “nãos” para uma pequena frase... nada mau, hein!? Lembre-se de que não estamos competindo com outras gerações, apenas queremos alternativas para que as crianças possam ser crianças.
Ir ao supermercado pode ser uma situação difícil ou pode ser um momento muito agradável, desde que alguns cuidados sejam tomados. A criança precisa estar descansada, alimentada e ter ido ao banheiro imediatamente antes de sair. Você pode conversar com ela sobre consumo, pedir sua ajuda para pegar pequenos itens e alternar entre caminhar e ficar no carrinho de compras. Conte como você faz suas escolhas, o que deve ser observado, como saber se a batata inglesa está boa, ou ainda qual a diferença entre salsa e coentro.
▪ Escolha suas lutas
Escolher as lutas significa decidir ignorar pequenas infrações que não sejam nocivas. Exemplo? Dia chuvoso e poça d’água na garagem. Você está chegando em casa e seu filho resolve pisar na poça. Em lugar do clássico “Não pise aí!”, você pode simplesmente ignorar... afinal, estão chegando em casa, não é mesmo? Em outra situação ele quer dormir com a roupa do Batman (desde que não esteja muito suado... mas até isso é negociável a depender do estado dos pais). Que mal fará? A ideia básica é que, se a criança está em segurança, realizando uma exploração dentro dos limites do possível, os pais podem – e devem – descontrair.
▪ Fale e aja com firmeza
Aqui está um aspecto que merece treinamento militar da parte de pais e mães. Hummm, se você não gostou do termo “militar”, posso trocar para um treinamento canino... mas talvez não goste ainda assim. Acho que de tanto assistir Cesar Millan, o Encantador de Cães, me dei conta de que conseguimos estragar crianças e cachorros com a nossa dubiedade!
Se as alternativas anteriores não funcionaram e o comportamento da criança ainda é inadequado, evite o caminho da “falação” vazia, que é ameaçar e não cumprir. A criança aprende rapidamente o limite dos pais e vai tentando esticá-lo um pouco mais. Quando você der uma instrução importante, a ser cumprida com rigor, seja firme e aja com firmeza!
Simplesmente falar: “Querido, não chute a mamãe, isso dói!”, ou “Filho, não suba no poste de eletricidade que pode ser perigoso”, é o mesmo que incentivá-lo em sua má escolha. Falar com doçura quando se requer uma atitude firme fará com que a criança se aventure ainda mais no caminho equivocado, colocando-se em risco.
Deve ficar claro para ela que xingar, bater, cuspir, jogar-se no chão ou impor um pedido – “Quero o meu boneco AGORA!” – NÃO são atitudes aceitáveis na casa! Isso deve estar cristalino pelo modo firme com que fala, assim como pela atitude que acompanha sua fala.
Lembre-se que, quando a criança responder corretamente com sua atitude, fica bem oferecer um sorriso e um abraço com uma frase que a anime a continuar: “Isso mesmo! Você é um bom ouvinte!”. Isso reforçará a atitude esperada nesses difíceis anos, mas que são repletos de alegrias. E apesar de estarem em desuso, insista como parte essencial do seu lar nos famosos “por favor”, “obrigado”, “desculpe”. Seja realmente firme quanto ao seu uso: sem o “por favor”, a criança pedirá e não receberá! Ao jogar-se no chão, deixe-a lá e diga que daquela forma não haverá conversa.
Ufa! Sei que nada disso é fácil... requer mesmo muito fôlego! Mas, quanto mais praticarmos, melhor ficará nosso condicionamento para agir de modo diferente daquele com que estamos acostumados. E se você começar a desanimar... lembre-se de sempre pedir auxílio ao treinador, ao seu “personal trainner”. Ele foi tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, e venceu! Ele conhece seus limites e pode ajudá-lo a encontrar energia para prosseguir. E vale a pena persistir! Afinal, o objetivo dessa empreitada é muito elevado... vamos até descansar um pouco antes de falar sobre ele! Continuaremos na próxima semana. Até lá![…]
Se você estiver lendo este texto depois do anterior, então vislumbro uma inclinação a aderir ao “modo treinamento” comigo. Espero que nós e muitos outros possamos nos beneficiar dele, porque a experiência de frustração no trato com as crianças é avassaladora. Quantas vezes a manhã de trabalho se desenrolou com olhos e ombros caídos, e, por mais açúcar que eu pusesse no café, ele continuava amargo...
Mas nem tudo são dissabores! Para adoçar a experiência da paternidade, atente a algumas alternativas ao uso exagerado do “não” que podem nos ajudar na educação de nossos filhos e em nosso relacionamento com eles:
▪ Refaça a frase
Ao invés de dizer “não”, diga claramente o que quer que a criança faça em lugar daquilo que está fazendo. Assim, substitua o “não jogue bola na sala” pelo convite “vamos jogar bola lá fora”. Caso more em apartamento, lembre-se de que a culpa não é de seu filho de ser criança. Se ele gostar mais de atividade física, então é o adulto que precisa lhe proporcionar escape de energia. Em lugar de “pode parar com essa cola no chão”, você pode dizer “vamos colocar um jornal debaixo desse papel para a cola não cair no chão?”. Dessa forma a criança aprende que pode continuar seus experimentos e, ao mesmo tempo, aprende a lidar com a limpeza, sem ter de parar a atividade na qual está envolvida. Se houver necessidade de uma intervenção imediata, você pode utilizar um enfático “Pare!”, ou “Está quente!”, ou “É perigoso!”, que são mais autoexplicativos do que o simples “Não”.
▪ Ofereça opções
As crianças na fase do maternal e da educação infantil estão aprendendo a ser independentes e a exercer controle. Assim, em vez de simplesmente responder “não” ao seu pedido de comer salgadinho perto da hora da refeição, ofereça opções: “Já é quase hora do almoço, mas você pode dar uma lambiscada em um pedaço de maçã ou banana”. Ou, que tal: “Está bem, pode escolher o salgadinho que você quer, mas vai abri-lo somente depois do jantar”. A ideia é que a criança possa tomar decisões e assim sentir-se “crescendo” no processo.
▪ Mude o foco de atenção
Quem já não ficou louco dentro de um carro com uma criança, com duas, três ou mais? Aqueles chorinhos, reclamações, gritos, empurrões e brigas por qualquer motivo – “Paiê, ele olhou pra mim!”. Muitas vezes, somos nós mesmos os culpados. Claro! O dia está tenso, o trânsito está difícil, e o pensamento, ocupado com qualquer coisa que não sejam os filhos! Repentinamente, a paternidade chega até você na forma de conflito... e você rompe o silêncio mandando todo mundo ficar quieto – ou algum equivalente nacional.
Pais tendem a ficar calados, acumulando energia para uma potencial explosão, especialmente se alguma desordem estiver rondando. Mas conversar com pequenos de 2 a 5 anos pode ser bem divertido, mesmo no carro. Há uma tensão se aproximando no horizonte? Mude o foco. Se a tensão já se instalou e é crescente, antecipe-se ao seu pico! Mostre aquele carro amarelo interessante, aquela loja diferente. Explique sobre algo que eles possam ver janela afora, conte uma história engraçada. Percebeu que a única criança está prestes a resmungar? Pergunte se ela está com fome. Ela quer um “suco de carros” ou um “sanduíche de semáforo?”.
Pode ser que nada funcione e você precise suportar o clima intoxicante. Afinal, há momentos difíceis até para adultos! Mas não tenha medo de experimentar outras ideias, mais adequadas aos gostos e ao modo de ser de seus filhos. Apenas insista em ser criativo! Mudar nosso modo de agir e, especialmente, de reagir, não é nada simples – mas certamente é possível. Então, vá exercitando essas práticas e se preparando para uma nova fase de nosso treinamento. Até o próximo post![…]
Quem não quer crianças obedientes, especialmente aos pais? Todos, não é mesmo? A pessoa pode nem estar preocupada com o mandamento bíblico de honrar pai e mãe, mas essa certamente é uma das expectativas nutridas pelo senso comum. As crianças são um presente. Seja visto como sendo de Deus ou do acaso biológico, fato é que todos as reconhecem como uma dádiva.
Ocorre que, depois de desembrulhado o pacote, encontramos algo tão diferente de um vaso chinês, ou dos peixinhos que permanecem no aquário, e até mesmo de cães treinados que sentam e esperam! Você nunca ouviu falar que a beleza de um vaso tenha incomodado a ponto de o retirarem da mesa. Nem um dia, ao entrar em casa, viu que os peixinhos haviam escapado novamente para brincar no vaso sanitário! Até os cães, com todo o seu entusiasmo e saudações festivas, sabem atender comandos e o momento de aquietar.
Há, portanto, diversos sentimentos que as crianças evocam... e alguns deles pareciam inexistentes ou adormecidos antes de sua chegada. Mesmo um bebê, que fica onde você o coloca, não desperta apenas emoções fofas. O choro é uma linguagem apavorante que incomoda tanto pela ignorância do idioma quanto por sua frequência e duração. Num instante, os sentimentos fofos dão lugar a outros, ásperos e sem afeto. É quando percebemos vir lá de dentro o pior de nós mesmos! – o que, muitas vezes, ganha forma em um sonoro “não!”.
Esse entorno da realidade infantil afeta pessoas de todo o planeta. Mas o uso do “não” possui variações culturais bem interessantes, e morar fora do Brasil por cerca de três anos aumentou minha percepção sobre elas. Como brasileiro, já estava acostumado à proibição: “Posso? Não. Deixa eu tentar? Não. E agora? Já disse que não. Por quê? Não dá tempo. E amanhã? Não, você vai acabar caindo e se machucando”.
Ouvimos esse bordão e o repetimos. Enquanto isso, em outro lugar do mundo: “Posso? Claro. Deixa eu tentar? É o jeito de saber se é possível. E agora? Já disse para você tentar. Por quê? Porque você é capaz. E amanhã? Podemos tentar outras coisas”.
Logo percebi que havia algo errado em nossas reações, ou pelo menos o uso do advérbio de negação estava bem fora de ajuste. Uma criança com dois anos subindo no sofá, por aqui, ouviria: “Não! Vai cair!”. Em outra banda, fui testemunha ocular da mesma situação. A criança subiu no sofá e estava no cai, não cai, quando ouvi: “Muito bem, você conseguiu subir, agora quero ver descer!”. Foi um choque! Onde estava o sonoro “não!”? Aquele “não” gritado, vociferado, quase como uma praga rogada?
Assim como eu, muitos devem ficar espantados ao imaginar essa cena. Se esse é o seu caso, então, coragem, e vamos a um pequeno teste:
• se você já está usando mais de cinco “nãos” para obter a resposta desejada;
• se a segunda opção após o “não” já é uma agressão verbal ou física;
• se você ainda se surpreende que a criança não queira guardar ou compartilhar seus brinquedos;
• se você já está recorrendo ao famoso “já falei mil vezes”, ou ao “será que você não entende?”;
• se você já desistiu, ou está perto disso, usando “nãos” descontroladamente...
Uma boa notícia! É possível fazer diferente. Escrevo por já ter experimentado da sensação de incompetência no trato com as crianças e confesso que continuo no caminho do treinamento.
Pais alienados da realidade infantil não leem sobre o que esperar de seus filhos em cada faixa etária, e estão sempre surpresos com o comportamento difícil que apresentam. Minha intenção é converter você ao “modo treinamento” junto comigo. A trajetória é árdua, mas vale a pena! Gostaria de compartilhar alternativas ao uso exagerado do “não” que tenho aprendido e experimentado. Na próxima postagem continuaremos essa conversa. Até lá![…]
A paternidade é um enigma assustador. Todos os dias somos pais pela primeira vez. Intimidante, não é? Duvida que seja assim? Então, caminhe comigo:
Na primeira infância, as mudanças nos filhos são mais fáceis de serem percebidas. Não que saibamos o que vai no coração dos pequeninos, mas por causa dos muitos sinais externos que marcam essa fase – eles ganham peso, crescem, aprendem a sentar, engatinham, andam, seguram seus próprios copos, alimentam-se sozinhos, vão ao banheiro e tomam banho com certa autonomia.
Perdem roupas e sapatos... porque crescem, mas também porque não se lembram onde os deixaram. Perdem até os dentes de leite!
Esses e outros sinais nos permitem ver que estão crescendo. Nem sempre nos damos conta disso, e precisamos vez ou outra atualizar o software da fala porque costumamos utilizar termos que pertencem a fases anteriores de suas vidas. Os filhos agradecem quando instalamos a nova versão!
É doído assimilar a ausência do abraço que se deseja, e soltar as mãos que agora se envergonham de serem amparadas. Mas também isso faz parte do ajuste da criança ao perceber que é outra pessoa.
Os anos se passam e continuamos sabendo de cor o peso e a altura do nascimento, além de extras que guardamos para encantar visitantes... para vergonha dos filhos.
Logo percebemos que o gosto do vestuário, do estilo do cabelo e das músicas não tem nada a ver com o DNA – pelo menos não inicialmente, na maioria dos casos. Temos sempre ideias divergentes sobre qual o melhor penteado, o que ouvir, o que vestir, com quem falar, por onde ir, se está quente ou frio.
A doação dos brinquedos antigos é uma dificuldade ainda maior para os pais! Relutamos... como se pudéssemos esticar um pouco mais o passado das bochechas rosas, do olhar curioso e brincalhão da infância; um brinquedo pode trazer à memória aquele encantamento de apenas cobrir o rosto e pensar que se escondeu!
Chegamos a experimentar o que seja a oração quando as crianças nos pedem algo. Elas rogam, insistem, fazem caras e bocas... mas aprendemos que algumas vezes a melhor resposta é “não”, como o Senhor tantas vezes faz conosco, nos ajudando a desenvolver uma paternidade amadurecida.
Nesse processo de tantas adaptações, dura tão pouco sermos considerados as pessoas mais engraçadas do mundo! Talvez usemos nosso velho repertório de brincadeiras e piadas porque tenhamos gostado de nossa própria infância. Mesmo se algo não nos pareceu tão engraçado à época, tentamos requentar e fazer com que seja. Seja como for, logo ouvimos que o que dissemos não tem a menor graça.
Bravamente resistimos e tentamos atualizar também o banco de dados de brincadeiras, mas estamos prejudicados pelo tempo e pelo nosso gosto pessoal. É assim mesmo! Eles riem de tanta coisa em que não vemos graça... é natural que passem a não rir daquilo em que vemos graça.
Ufa... todo dia a paternidade exige atualizações. Só de retomar essas memórias, já dá para sentir o desamparo... caso tivesse que pensar sobre esses assuntos sozinho, sem um pai que me orientasse.
Não existem manuais de filhos com atualizações tão pormenorizadas, mas temos um Pai que é nossa referência para todas as situações. A sua palavra é o manual ao qual recorremos para ouvir a sua voz.
Deus seja engrandecido porque é um Pai perfeito e nos provê de relacionamentos novos todos os dias. Obrigado, Deus, por deixar que as crianças nos chamem de pais. Sabemos que são seus filhos. Obrigado pela confiança em deixá-las conosco pelo tempo que o Senhor achar bom. […]
O debate acerca da migração do leitor do livro tradicional para o livro digital é bastante extenso, e ainda não terminou. Mas até mesmo entre os livros digitais a competição é acirrada. Pensa bem! Quem consegue competir com um recurso novo a cada dia? Com um livro que fala, que se movimenta, e que se transforma em jogo? Não é preciso nem ler!
E por falar em jogos, ouve-se dizer que é sempre melhor postergar a compra de um equipamento novo e até mesmo de uma TV. Você quer se divertir agora, mas e se aparecer uma versão melhor logo depois? E isso vai acontecer!
Os jogos eletrônicos são impressionantes! Parecem sempre mais e mais reais. Claro que, para perceber isso, é necessária uma dessas TVs novas. Elas oferecem tanta definição que alavancaram a indústria cosmética. Quem precisa de tudo isso? Para quê levar a realidade para as telas?
Nossa família sente muito orgulho. Orgulho de possuir o equipamento mais avançado de realidade virtual. Não são necessários óculos especiais, você pode utilizar suas próprias lentes. E toda essa tentativa avatariana de transportá-lo, prometendo sensações reais? Nossa casa já desfruta dessa tecnologia faz tempo. Como assim?
Nosso equipamento é tão avançado que sequer os softwares de inteligência artificial o suplantam. A quantidade de mundos e níveis é infindável. Não necessita de atualizações constantes nem ampliar a capacidade de armazenamento de tempos em tempos.
Ah, a mobilidade é outro ponto forte: com nosso equipamento podemos ir e vir a outros mundos, partindo de qualquer lugar e sem necessidade de fios. Não é preciso conectá-lo a TV nem a tomadas para ligar ou carregar. Nem precisaria dizer, mas é bom destacar que ele só utiliza energia limpa. Mesmo que fique ligado o dia inteiro, não consome energia elétrica.
Ficou curioso? Muita gente fica. O tempo passa e sempre nos causa muita estranheza que todos possuam esse equipamento, mas poucos o utilizem. Às vezes nos perguntamos por que querem colocar tanta definição em uma tela tentando simular a realidade. Será que estamos tentando construir perfeição com nossas próprias mãos imperfeitas? Será que estamos tão insatisfeitos com o humano real que o estamos projetando virtualmente a fim de discernir quem somos?
Nada disso é realmente necessário. Afinal, como já disse, todos possuímos esse equipamento. Duvida?
Pois veja só: “Paiê, conta outra história!” […]
Nem sempre nos damos conta de que nosso planeta é habitado por crianças e adultos simultaneamente, e que a percepção das alegrias e tristezas do cotidiano é distinta em cada fase da vida! Ainda que vivamos numa imensa aldeia global, as ondas das comunicações nem sempre ancoram em todos, porque alguns não possuem rádio ou TV, e outros ainda nem sabem o que é a tal da web.
Mas essas ondas estão por aí, e, mesmo sendo invisíveis, a criança pode vê-las. Às vezes, ela presencia cenas como o bandido morto na rua ou o assalto à casa do vizinho. Em outras tantas, observa com atenção as ondas que se encarnam... e que nem sempre lhe parecem assustadoras como a vida real! Que mal pode haver em uma simples propaganda de shampoo? – não fosse o exagero da sensualidade só para vender o produto! Para não falar da supervalorização de aspectos estéticos a ponto de pessoas olharem para carros e os desejarem como se fossem corpos! Ora, e se papai e mamãe sempre “deram um jeito” no que foi preciso, quem se escandaliza com a desonestidade generalizada? Afinal, o que conta é o sucesso medido pelo número de visualizações, pouco importando se a letra ou a dança da música do momento ultrapassam os limites do aceitável.
Nesses dias em que a existência digital concorre com a real, como a criança digere tudo isso? Alguns adultos, cegos pelo autoengano, acreditam que elas não viram, não vão perceber e, menos ainda, entender o que está se passando. Ou que talvez seja melhor deixar essa conversa para outro dia.... Nossa literatura quer lidar justamente com questões que incomodam e que, por isso, tantas vezes são deixadas de lado. Queremos tratar de curiosidades, inquietações e conflitos, criando espaço para interações.
Sempre tive muito medo do silêncio, da ausência de palavras, da falta de conversa. Um dos primeiros casos de silêncio na Bíblia ocorreu quando cessou a comunicação entre dois irmãos. Talvez você não perceba isso na maioria das traduções em português (exceto na Almeida Revista e Corrigida e na Trinitariana), mas, em Gênesis 4.8, lê-se no texto hebraico: “Disse Caim a Abel seu irmão.”.... Sabe o que vem depois, sabe o que ele disse? Nada! Logo em seguida, o texto continua: “E aconteceu que, estando no campo, Caim pegou Abel, seu irmão, e o matou.”
Um bom número de traduções supriu a lacuna no diálogo com a expressão “vamos ao campo” a fim de que fizesse sentido. A versão grega antiga atesta isso (LXX – a Septuaginta), mas o texto hebraico registra o vazio. Creio que seja um artifício literário intencional – a interrupção do diálogo como prenúncio da tragédia. Caim escolheu o silêncio, deixou crescer o ódio e consumou um crime. Mas não foi assim no princípio! Tudo começou com o poder da palavra falada fazendo nascer e ter vida tudo o que existe.
Sei que o silêncio pode ser um problema tanto quanto a palavra dita no tempo e do modo errado – afinal, tanto a ausência de diálogo como diálogos violentos podem trazer morte. Esperamos, porém, que nossos livros abram espaço para longas conversas com crianças, adultos e entre diferentes gerações a partir de palavras de vida – que podem aquecer, curar, impedir quedas.... E, se estas acontecerem, ainda poderemos, por meio dessas palavras, encontrar restauração. […]